Advertise

Tecnologia do Blogger.
 
quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Marilena Chauí e a Classe Média

0 comentários

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Numa palestra realizada na Universidade de São Paulo (USP) em agosto de 2012, Marilena Chauí, renomada filósofa brasileira, conhecedora da obra de Marx e assumidamente uma esquerdista, disse o seguinte a respeito da classe média: “(...) a classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta e é uma abominação cognitiva porque é ignorante."



Mais recentemente a mesma fala foi repetida por Chauí no lançamento de um livro organizado por Emir Sader, livro em que Marilena participa como co-autora. A TV Revolta, uma comunidade do Facebook, editou o vídeo da palestra, enfatizando apenas um momento em que Chauí, ao que parece, num ataque de raiva, diz odiar a classe média.

O verbo usado foi "parecer". Não estou aqui para falar pela Marilena. Quem sou eu! E outra, ela sabe muito bem se defender sozinha. Voltemos ao verbo “parecer”. Lembram-se de uma propaganda antiga de um shampoo cujo nome é Denorex? A propaganda dizia: “Parece, mas não é”. Parece shampoo, mas é muito mais do que isso... Bem, não vou ficar aqui fazendo propaganda para o shampoo, até porque não estou ganhando um centavo para isso.

O acesso de raiva da Chauí apenas parece um ataque de raiva. Tenho a mais absoluta certeza que a Marilena não odeia a classe média. Ela tem muitos motivos para não odiá-la. Deve ter muitos amigos e parentes que fazem parte da classe média. E certamente boa parte dos seus alunos são membros da classe média. No entanto, o maior motivo para ela não odiar a classe média, é que ela sabe o lugar estratégico que esta classe assume na economia. Uma classe média fortalecida contribui para o desenvolvimento econômico do país.

Contudo, como filósofa, e o trabalho dos filósofos tem relação com a desconstrução de discursos, Marilena alerta: “não existe uma nova classe média, existe uma nova classe trabalhadora”. Esta observação foi feita na palestra de lançamento do livro de Emir Sader. Clique aqui para ver o vídeo.  Aqui nos deparamos com um problema: o conceito de classe média é um não-conceito, pois é estabelecido com base em critérios de renda arbitrários. Didaticamente o conceito tem as suas funções. Permite uma estratificação e mapeando de como a renda é distribuída por toda a sociedade. Sendo assim, a que conclusão somos conduzidos? A conclusão de que a classe média não existe.

E a filósofa nos ajuda a entender a questão: "o que define uma classe é a sua inserção no modo de funcionamento do sistema de produção capitalista." Só existem dois modos de inserção no funcionamento do sistema de produção capitalista: ou se é dono dos meios de produção ou se vende a força de trabalho para sobreviver. Os donos dos meios de produção não podem produzir se não pagarem pela força de trabalho. A força de trabalho, é então, uma mercadoria imprescindível ao funcionamento do sistema.

A exploração desta mercadoria cria a possibilidade de produção de lucro, de acumulação de riquezas. Nenhuma mercadoria que utilizamos produz valor. Um tênis que usamos se desgasta e não produz valor. Não vendemos um carro pelo mesmo preço que compramos, pois ele perde valor na medida em que vai sendo usado. Mas a força de trabalho humano é diferente, pois é a única mercadoria capaz de produzir valor. Isso não quer dizer que ela não se desgaste, tanto se desgasta que existem muitas doenças relacionadas ao trabalho.

Voltemos ao cerne da questão: a classe média. Por que ela é uma abominação política, ética e cognitiva? Porque não aceita a sua condição de inserção no proletariado. A classe média, inventada segundo os critérios de renda criados pelos economistas, por mais média que ela seja, nunca deixou os limites sociais do proletariado. Isso é um problema? Não se ela aceitasse a sua condição. A questão é que ela não aceita e se comporta como se fosse parte da elite. Para ser parte da elite ela teria que ser dona dos meios de produção.

Lembremos o que disse Chauí: "não existe uma nova classe média, existe uma nova classe trabalhadora." Que nova classe trabalhadora é essa? Aquela que nos últimos vinte anos viu os seus direitos serem ampliados e que por isso alcançou um novo patamar de renda. Mas isso não a transforma em classe média. Ela continua sendo uma classe que precisa vender sua força de trabalho para manter as conquistas obtidas. Ela continua sendo parte do proletariado.

O que deixa inconformada a tal da classe média, é ver as classes mais subaltenizadas da sociedade desfrutando de condições de vida muito semelhantes às suas. É ver o filho do pobre chegando no ensino superior público através do PROUNI, é ver a filha da empregada fazendo um curso técnico e conseguindo encontrar no mercado de trabalho uma melhor colocação, é ver a pobreza antes ocultada pela mídia sendo erradicada através das intervenções promovidas por políticas sociais, enfim, é ver aquilo que ela nunca pensou que um dia chegaria a ver. Aqui se faz evidente a dimensão da abominação política citada por Marilena. No entanto, a classe média vai além, pois o seu inconformismo acaba ganhando vida nas mídias informais, aquelas que chamamos de redes sociais: Facebook, Twitter, Whatsapp, etc.

Como a modernidade inventou as redes sociais, ela criou para a tal da classe média meios para que esse povo tão médio pudesse despejar sobre tudo e sobre todos os seus preconceitos, e são nestes preconceitos que se revela a dimensão da abominação ética. E esse povo é médio em todos os sentidos, a começar pela honestidade intelectual, que é tão mediana. Se houvesse honestidade intelectual, a classe média admitiria a sua condição de inserção no proletariado. Como o conceito de proletariado da classe média é tão mediano, ela acaba entendendo-o como sinônimo de "ralé". E quem disse que a classe média quer ser parte da ralé? Quem disse que a classe média quer dividir seus aeroportos com aquela gente estranha que ela chama de pobre?

O pior de tudo é que a classe média é tão mediana em sua intelectualidade, apesar de ter acesso ao melhor ensino, que nutre a convicção de que não é sua a responsabilidade de sustentar os "vagabundos" que recebem os benefícios dos programas sociais. E aqui se revela a dimensão da abominação cognitiva. Mal sabe ela que esses programas contribuem para o crescimento da economia. Por sua vez, o crescimento da economia gera mais postos de trabalho, de modo que a classe média também acaba sendo beneficiada.

Então o que parece uma manifestação de ódio por parte da Marilena Chauí, é na verdade uma profunda análise de como funciona o sistema de produção capitalista e da relação entre este funcionamento e as ideologias sustentadas pela classe média, ideologias que entorpecem a visão de mundo desta classe que nunca ultrapassou os limites sociais do proletariado, levando-a, portanto, a cometer atrocidades que enquadram-na dentro das dimensões da abominações política, ética e cognitiva.

Leave a Reply

 
Flatus Políticus Teste © 2014 | Designed By Blogger Templates