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terça-feira, 28 de outubro de 2014

A vitória de Dilma no contexto dos conflitos de classe

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Por Paulo Ghiraldelli, 57, filósofo 

Os ricos ficaram do lado do Aécio, os pobres do lado de Dilma. Isso é verdade? Em parte, só em parte. Os conservadores ficaram com Aécio, os progressistas foram com Dilma. Verdade? Mais verdade há aqui que na primeira afirmação, mas, ainda assim, é preciso relativizar. A tal luta de classes de Marx nunca foi um conceito fácil de lidar. A estupidez da direita e de parte da esquerda com a expressão dificultou demais o pensamento social. É uma noção válida, mas, para ser utilizada é necessário que se obedeça a própria sofisticação do filósofo alemão.
Vamos então à aplicação da noção, de modo inteligente.

Quem recebeu maior apoio da burguesia? Ou seja, quem foi beneficiado pelo dinheiro dos donos dos meios de produção? Claro que foi o PT. O site Transparência Brasil publicou os dados. O PT sozinho recebeu a soma do recebido pelo PMDB e PSDB juntos. Os grandes contribuintes do PT foram a Friboi e, depois, as empreiteiras. Mas as empreiteiras também doaram para o PSDB; foram quantias iguais para um e outro. O que se pode dizer disso?

Duas coisas, não necessariamente excludentes. Primeiro: por um olhar inicial diríamos que a burguesia brasileira não tem nenhum medo do PT e até acha que Lula-Dilma, a esquerda, administra melhor o capitalismo que o PSDB. Segundo: pode-se imaginar que a burguesia não está muito interessada em saber quem administra melhor o capitalismo e, então, acreditando que tanto faz, realiza doações olhando as chances de cada candidato e fazendo suas apostas em como participar do governo mais tarde, por meios lícitos e ilícitos.

Ora, mas se é assim, como explicar então que, nas ruas, ao olharmos os eleitores de Dilma e Aécio, a mancha mais escura, ou seja, a de pobres, pertença à Dilma? Por que no cômputo do voto os bairros ricos de São Paulo foram quase unânimes no despejo de votos em Aécio? Nesse caso, sai o fator pragmático racional e entre o fator ideológico. E por ideológico, aqui, que se entenda não só apreço doutrinário, mas também autoengano. Do que se trata?

A classe média alta que, enfim, não necessariamente é a burguesia em sentido tradicional, ou seja, não se trata dos donos dos meios de produção, vota segundo as ameaças de status e segundo identidades desejadas.

A corrupção do PT criou um gancho para que o antipetismo já existente nesses setores da classe média alta deslanchasse. E no que consistia e considete esse antipetismo? Trata-se de um desejo de ver o Brasil sem corrupção? Nem pensar. Esses setores sociais aceitam a corrupção à direita. A corrupção do PSDB não os faz torcer o nariz. A corrupção do PT sim é impulso para que esse setor ponha seu ressentimento de fora. Esse ressentimento nada é senão o produto da afronta causada nesses setores pela política social em favor dos pobres. Os programas de transferência direta de renda e as políticas em favor de minorias (negros, mulheres, gays etc.) são uma pedra no sapato dos setores médios da população. As pessoas desse setor social valorizam o que chamam a “meritocracia”, que segundo elas as fez serem quem são (o que raramente é verdade), e deploram a ajuda governamental aos pobres porque imaginam que, então, terão de suportar esses pobres entrando nos lugares até então reservados para os endinheirados. Entendem que isso é uma afronta, que se trata de um tipo de igualação insuportável. Pessoas desse setor olham para o negro e para o nordestino que podem frequentar ambientes em que elas estão como que dizendo: “ôpa, esse cara quer ser igual a mim?” Ficam cegas quando alguém tenta explicar que leis trabalhistas melhores para domésticas e programas como o Bolsa Família ampliam a economia porque criam empregos e isso é melhor para o todos, para o capitalismo. Não entendem. Ficam mais raivosas ainda quando o negro recebe cota para a universidade. Vociferam pela “meritocracia”. Não vociferam em nada se algum burguês autêntico quebrar seu banco ou sua empresa e tiver ajuda do governo.

Esses setores médios não funcionam como a burguesia. São os que acreditam que um dia terão empresas como as dos burgueses, mas, na verdade possuem apenas bens imobiliários que garantem o terceiro carro do filho, e são profissionais liberais bem sucedidos ou filhos destes. Médicos, engenheiros, executivos de empresas e agiotas formam bem esse grupo. Uma boa parte vive não só do que é um excelente salário, mas muito do que veio por meio de herança. Até alguns professores universitários entram nesse clã. Políticos e artistas às vezes estão por aí. Mafiosos perdidos também. Donos de algumas empresas que imaginam viver sem o aquecimento da economia, inclusive donos de faculdades, estão aí alocados. Alpinistas sociais enganadores adoram poder andar nesse campo. Prostitutas de luxo, bem jovens, e algumas que se dizem modelos, e todas formadas em boas escolas, aproveitam para saírem com pais de amigas nesse ambiente. Mesada extra.

Esse setor foi o grosso do eleitorado do Aécio com poder de formação de opinião. E como toda classe média alta, sendo uma imitação da burguesia, acaba dando aos outros setores algumas diretrizes do que fazer. Os outros setores próximos pensam poder imitar os burgueses, os verdadeiros ricos, ao imitarem esses setores médios que, enfim, são também ricos. O voto de gente mais pobre pode ser arrastado por essa via e, nessa eleição, isso realmente ocorreu. Só não ocorreu mais porque Aécio em determinado momento deixou que sua faceta moral pessoal viesse à tona na campanha, além de não garantir aos eleitores que não iria haver a recessão típica de FHC. Nesse titubeio, a esquerda conseguiu se rearticular.

Todos queriam mudança. Mas a mudança prometida por Aécio, em determinado momento, não convenceu mais os setores menos conservadores e até liberais que procuraram abrigo em suas asas. Durante esses doze anos o PT empurrou muita gente boa para fora de seu círculo. Mas Aécio não soube transformar seu programa em um programa social democrata realmente confiável, de modo a segurar os não conservadores que vieram com ele inicialmente. À medida que defendeu FHC e até começou a mentir sobre quem eram os donos dos programas sociais, trouxe para a população assalariada o medo. Dilma pegou por aí. Recuperou-se.

Defendendo as mulheres e se pondo radicalmente contra a violência, e tendo uma biografia melhor que a de Aécio do ponto de vista moral, Dilma conseguiu se mostrar possuidora de mais credibilidade. Foi o suficiente para que o antipetismo gerasse, então, em contrapartida, uma população disposta a votar em Dilma para se proteger, ainda que não necessariamente para perdoar erros do PT. Dilma saiu maior que o PT nessa eleição.

Um quadro mais detalhado que isso poderia ser feito. Há quem consiga escrever um livro de cada eleição. Eu me contento em compartilhar com e leito isso acima. É o suficiente, penso eu.

Paulo Ghiraldelli, 57, filósofo.

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