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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A Variação no Número de Miseráveis no Brasil: existe motivo para pânico?

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Por Esequias Caetano

A mídia tem noticiado de forma frenética que "o número de miseráveis cresce pela primeira vez no Brasil desde 2003". E isso é um fato. Desde que o PT assumiu o poder, é a primeira vez que há um crescimento no número de brasileiros com renda inferior à minima necessária para pelo menos garantir a própria subsistência. Cerca de 371 mil pessoas passaram a viver como indigentes. Mas o quanto esse aumento é,  realmente,  motivo para tanto alvoroço?

Conforme o leitor pôde observar no gráfico abaixo, extraído do próprio IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a quantidade de pessoas em situação de miséria vinha caindo praticamente em queda livre nos últimos 10 anos.


Entre 2003 e 2012 a redução no número de pessoas em pobreza extrema foi de quase 62%. A tendência de queda vinha se confirmando há muitos anos, mesmo em meio a crises que assolaram o mundo inteiro, como a de 2008.

Se olharmos um pouco mais para trás na história do Brasil, descobrimos que nunca, desde o final do governo do General João Figueiredo (1985), havíamos experimentado uma redução tão drástica na quantidade de pessoas em condição de miséria. Foi naquele ano que conseguimos superar a ditadura militar e eleger Tancredo Neves, morto pouco antes de assumir o cargo e substituído por seu vice José Sarney. Muita gente conseguiu subir na vida e conquistar condições mais dignas de subsistência.

Os ganhos experimentados com a queda do regime militar, porém, não duraram muito. Pouco tempo depois que Sarney assumiu a chefia da república o brasileiro observou um novo e tenebroso  aumento na quantidade de pessoas em pobreza extrema. Entre 1986 e 1988 o número de indigentes saltou de pouco mais de 11 milhões para quase 28 milhões, o que equivale a um crescimento de 245%. Apenas cinco anos depois, no governo Itamar Franco, o Brasil voltou a comer.

Com a adoção do Plano Real houve uma redução de 22% na quantidade de pessoas em situação de miséria. O número de indigentes caiu de quase 29 milhões para pouco menos de 24 milhões entre 1993 e 1995. O já tantas vezes frustrado povo brasileiro, mais uma vez, pôde sonhar com uma vida digna. Se formos ainda mais longe, era a primeira vez desde 1979 que uma medida poderia gerar resultados duradouros no combate à fome. Mas mais uma vez a alegria não durou muito.


Em 1994 Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência da república e em pouco tempo a miséria voltou a assombrar o país. Em seu governo o brasileiro novamente precisou conviver com o aumento da fome. Quase diariamente lia-se nos jornais, via-se na TV e ouvia-se no rádio que a quantidade de mortes por desnutrição vinha crescendo. E não era por acaso.

Nos oito anos em que o tucano esteve à frente do país, a quantidade de miseráveis saltou de aproximadamente 22 milhões para mais de 26 milhões de pessoas. O fôlego gerado pela implantação do Plano Real não conseguiu resistir à sua gestão. As demissões em massaa taxa de juros chegando a quase 50%, o descontrole da inflação, entre outras coisas, certamente contribuíram para que o Brasil mais uma vez passasse fome.

Em 2003 Lula finalmente assumiu a presidência da república, após ser derrotado em 1989, em 1994 e em 1998. O primeiro ano de seu mandato foi marcado pela adoção de uma série de medidas que visavam não só o crescimento do país, mas principalmente, a melhoria na qualidade de vida da população. Em apenas um ano ele foi capaz de fazer a miséria recuar quase 13%, levando mais de dois milhões de brasileiros a transpor a linha da extrema pobreza. Desde então o número de miseráveis não parou mais de cair, até 2013, no governo de Dilma Rousseff.

A imprensa brasileira tem pregado o desespero desde que foram divulgados os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que apontaram a interrupção do período continuo de redução na miséria. Conversando com as pessoas na rua, tudo o que se vê é medo. De acordo com o noticiário, o país está entrando em colapso. Isso é repetido tantas vezes que até os mais céticos acabam acreditando. Apesar disso, ao contrário do que disse Joseph Goebbels, uma mentira contada mil vezes não se torna uma verdade. Continua sendo uma mentira, só que com uma quantidade maior de pessoas acreditando  nela. Vejamos porque.

Embora seja péssimo saber que o número de miseráveis no Brasil aumentou, esse aumento é muito pequeno diante das quedas conquistadas nos últimos anos e dos aumentos que já experimentamos. Nem é preciso ir longe para constatar que este aumento é absolutamente inexpressivo. Se tomarmos como referência  a PNAD de 2011, ainda tínhamos quase 12 milhões de miseráveis no país. Na de 2013 tínhamos 10,452 milhões. Temos um saldo positivo. 

Em uma entrevista sobre o assunto, Aloízio Mercadante afirmou que variações como esta são comuns em estatística. E se pesquisarmos um pouco, descobrimos que de fato são. Quem se lembra do aumento na taxa de analfabetismo no Brasil em 2012? Uma busca no Google pelas noticias da época revela que a mídia teve exatamente o mesmo comportamento diante do resultado negativo: transformou-o em uma catástrofe! Mas pouco se falou de 2013, quando o Brasil voltou aos trilhos e o analfabetismo voltou a cair. E é assim que a imprensa brasileira se comporta.

Faz muito pouco tempo que uma das principais manchetes de nossos jornais era "A taxa de desemprego sobe pela primeira vez desde 2009". Diariamente o tema se tornava assunto em rodas de discussão entre economistas na Globonews, tornava-se capa das principais revistas brasileiras e era assunto de longas entrevistas com especialistas na área. Quando voltou a cair pouco se falou a respeito. Quase nada, na verdade.

Não há motivos, portanto, para pânico. A tom catastrófico com que o tema tem sido abordado é característica da mídia brasileira. Variações como esta acontecem frequentemente com vários indicadores sociais, e aqueles que não tiveram sua  primeira vez, ainda vão ter. Esta foi a vez do indicador de miséria. 

O que também tem contribuído para a instalação do medo, talvez até mais que o tom catastrófico em si, é a repetição deste mesmo tom em diversos locais diferentes na mídia. Ao contrário do que pensam os desavisados, esta repetição não é indicativo de gravidade, mas sim, do grande oligopólio pelo qual a mídia brasileira se organiza. Para que você, leitor, tenha ideia quão grande é este oligopólio, analise o seguinte. Os grupos Abril, Globo,  Band e Records, sozinhos, são proprietários de 40%  de todos os veículos da mídia (TV, online, impressos e rádio) brasileira.  Enquanto estes quatro grupos controlam uma parcela tão grande da imprensa, outros 37 pequenos grupos controlam o restante. Entre estes pequenos grupos destacam-se a RedeTV, a União, a Canção Nova e a Aparecida - praticamente desconhecidos do público, e consequentemente, com audiência muito inferior aquela obtida pelos quatro anteriores.

Para ilustrar o alcance destes quatro grupos, tomemos como exemplo a Editora Abril e a Globo. Imagine que a Editora Abril adote um posicionamento específico sobre algum tema. A critério da Direção de Jornalismo da Abril, esse posicionamento poderá ser repetido em cerca de 74 revistas, entre elas, algumas daquelas com maior circulação nacional, como a Exame, Exame PME, Info Exame, Info Corporate, Mundo Estranho, National Geographic, Você S/A, Negócios S/A, Revista da Semana (São Paulo), Veja, Viagem e Turismo e Vida Simples - faltam muitas ainda!

Continuando o exercício, imagine que a Globo adote o mesmo posicionamento da Editora Abril. A globo é detentora de 340 veículos de mídia, dentre os quais estão também alguns daqueles com maior audiência no país, como a própria Rede Globo de Televisão, a Globonews, o Portal G1, o Jornal O Globo, a Revista Época, a Época Negócios, Revista Extra, Revista Galileu, Canal GNT, Monet, Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, Rádio Globo, Autoesporte, sem contar as tantas rádios e outros canais de TV do mesmo grupo que não foram citados. Basta a direção de jornalismo da empresa dar uma ordem para que todos estes veículos reproduzam o mesmo posicionamento sobre algum tema.

Observe que mencionei uma parcela ínfima dos veículos de comunicação que pertencem a estes dois grupos, mas mesmo assim, você deve ter reconhecido os nomes das maiores fontes de informação do Brasil. É possível falar em diversidade sabendo disso? Não. Nossos principais jornais e noticiários pertencem a apenas duas das quatro maiores empresas de mídia do país. Basta que uma destas empresas adote um posicionamento para que o ouvinte/leitor/ telespectador tenha acesso àquele mesmo posicionamento em vários veículos de comunicação diferentes. Se uma outra empresa entre estas quatro adota o mesmo posicionamento, o ouvinte/ leitor/ telespectador fica praticamente sem opção. Na ausência de fontes alternativas, não tem como questionar o que ouve, lê ou vê e acaba acreditando de forma quase indiscriminada.

A despeito do terrorismo e do oligopólio midiático, teremos motivos verdadeiros para nos preocuparmos se o próximo PNAD também trouxer dados negativos. Deixará de ser uma variação comum em estatística e se tornará a confirmação de uma tendência de aumento no número de miseráveis no país. Por enquanto a variação levanta suspeitas e nos dá motivos para cobrar. Mas não para entrar em pânico. Cobrar é, aliás, nossa obrigação independente do país atingir resultados negativos. E isso não deveria ser feito só nas eleições e nem precisaria ser lembrado. A propósito, você sabe como cobrar seu candidato? Se não souber, trate de pesquisar (ou volte aqui no Flatus Políticus em alguns dias)

- Publicado em 07/11/2014, às 17:00 horas
- Última atualização em  08/11/2014 às 17:13 horas

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