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sábado, 8 de novembro de 2014

Bandido Bom é Bandido Preso ou Morto

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Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Entre os anos de 1760 e 1840 o mundo assistiu a um conjunto de transformações tecnológicas, econômicas, políticas e sociais que criaram a base para a expansão do modo de produção capitalista.  A princípio essas transformações ficaram circunscritas à Inglaterra e foram chamadas de Revolução Industrial.O caráter revolucionário dessas transformações consistiu em reunir todas as condições necessárias para ampliar a produção e concentração de riquezas.


Ao passo que a riqueza era ampliada e concentrada nas mãos de alguns poucos, tantos outros padeceram por causa da sua desigual distribuição. A consequência disso foi a pauperização das classes mais subalternas das sociedades capitalistas, que ao fim do século XIX se tornou tão visível, que medidas tiveram que ser tomadas para conter a pobreza. De um lado a pobreza foi tratada como caso de polícia. Os pobres eram alvo da ação policial porque eram considerados vagabundos. De outro, a naturalização da pobreza acabou distanciando-a de suas verdadeiras causas.

A naturalização da pobreza compreende aquelas estratégias de atribuir ao indivíduo a culpa por sua condição de pobreza: "é pobre porque é vagabundo"; "é pobre porque não gosta de trabalhar". Dois erros estão explicitados nesta forma de pensar: 1) A admissão de que a vagabundagem é uma condição natural de algumas pessoas, como se fosse um sinal de caráter ou algo parecido; 2) A admissão de que existe emprego suficiente para todos e basta querer trabalhar para se ter uma vida melhor.

A vagabundagem não é uma condição natural, não é uma espécie de característica de personalidade. Esta é uma visão muito simplista, cuja função é ocultar que a pobreza está ligada  às condições sociais produzidas pelo funcionamento do sistema de produção capitalista. E por falar em capitalismo, neste sistema não há e nem nunca haverá empregos para todos. Marx fala do "exército de reserva". O exército de reserva compreende a força de trabalho que excede as necessidades da produção. Em outras palavras, o exército de reserva é formado pelo contingente de trabalhadores não inseridos no mercado de trabalho. Este contingente é usado para exercer pressão sobre os trabalhadores já inseridos no mercado de trabalho, de modo que a sua manutenção é sempre funcional aos anseios do capital.

O sistema é desculpabilizado quando o indivíduo é culpado por sua condição de pobreza. Naturalizar a  pobreza ao longo do século XIX foi uma forma de manter intocado o sistema. Mais de um século depois da Revolução Industrial muitos fenômenos sociais continuam sendo tratados a partir de uma perspectiva naturalizante. Esta é uma forma de desligá-los de suas verdadeiras causas: falta de acesso às condições para se viver uma vida mais digna. Falta de acesso aos serviços de saúde, falta de acesso a uma educação com qualidade, falta de acesso à cultura, etc.

A exemplo da pobreza, que durante o século XIX foi tomada como fenômeno natural, a criminalidade é mais um fenômeno social tratado a partir da perspectiva naturalizante. Por isso que muitos pensam que bandido bom é bandido preso ou morto. Ninguém quer admitir que a criminalidade tem relação com a concentração de riqueza e com a falta de acesso a serviços essenciais para se viver uma vida mais digna. Para a criminalidade restam duas alternativas: cadeia ou morte. Se lembrarmos que nosso sistema prisional não prepara ninguém para retornar à vida em sociedade e que funciona muito mais como escola do crime do que como meio de ressocialização, chegaremos à constatação que investir em sua ampliação, apesar de necessário, não produz resultados significativos na diminuição da criminalidade. O gráfico abaixo ilustra bem essa realidade:


Em 2000 o sistema prisional brasileiro possuía 135.710 vagas, enquanto a população prisional era de 232.755 apenados. Já em 2010 o sistema possuía 281.520 vagas, enquanto a população prisional era formada por 496.251 apenados. Só em 2010 havia um déficit de 214.731 vagas. Isso significa que a ampliação do sistema nunca foi e nem tem sido suficiente para conter o fenômeno da criminalidade. As prisões, apesar de necessárias, agem somente sobre efeitos. Elas ocultam a criminalidade como a pobreza foi ocultada no século XIX ao ser tratada como problema de polícia e ao ter suas dimensões sociais confundidas com fenômenos naturais. 

Exterminar os bandidos não é também a melhor estratégia. Além de não ser humana é também imoral. O artigo terceiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos garante que todos têm direito à vida, e é bom lembrar que o Brasil é signatário desta declaração. Defender este tipo de atuação abre precedentes para a ampliação da violência, justificando a existência de grupos de milícias que agem na clandestinidade. A essa altura você deve estar dizendo: "leve, então, o bandido para a sua casa". Rachel Sheherazade concordaria com você...

Então, qual é a solução? A solução começa pela mudança na maneira de nos referirmos às pessoas que cometem crimes. Ao invés de chamá-las de bandidos, deveríamos tratá-las como pessoas que em função de certas circunstâncias acabaram cometendo um crime. Chamar de bandido é tratar toda a situação de modo pejorativo. Para você entender, usarei um exemplo bem simples: uma coisa é chamar alguém de maconheiro e outra muito diferente é considerar que o uso de um entorpecente é um problema que precisa de tratamento. Entre "maconheiro" e "dependente químico" existe uma distância muito grande. Entendeu o quer que desenhe? 

Tratar alguém como maconheiro leva-nos a privá-lo das oportunidades de recuperação. Mas ao tratá-lo como dependente químico, nossa visão da situação se altera de tal modo, que passamos a pensar nas medidas que precisam ser tomadas para que o problema seja tratado. Com uma pessoa que comete um crime não é diferente. Por que desumanizá-la só porque ela precisa pagar pelo que fez? Por que ela precisa ser exterminada? Por que ela merece apodrecer na cadeia?

Não seria melhor pensar de forma diferente? Que oportunidades faltaram a essa pessoa e que fizeram-na se envolver com a criminalidade? A criminalidade é um fenômeno complexo demais para ser naturalizado. Não pode ser tratado apenas como problema policial, pois o que produz a criminalidade vai muito além do imediatamente acessível à percepção. Lembro-me agora do filme Faroeste Caboclo. O filme conta a história de João de Santo Cristo, um jovem negro que fugindo das condições de pobreza do nordeste foi parar em Brasília-DF. Não encontrando meios para manter a sua sobrevivência, acaba se envolvendo com o tráfico de drogas. 

João Passou a disputar território com um traficante que fazia parte das classes mais abastadas da sociedade brasiliense e que se chamava Jeremias. A disputa não poderia ser menos desleal. Jeremias sendo rico e tendo canais dentro da Polícia Civil, submeteu João a todo tipo de humilhação. No final Jeremias e João acabaram mortos depois de uma emboscada armada pelo pobre jovem negro que só saiu de sua terra natal em busca de melhores condições de vida. Todos sabem que o filme é inspirado na letra de uma música do extinto grupo musical chamado Legião Urbana. 

A letra termina assim: "Ele queria era falar pro presidente / Pra ajudar toda essa gente que só faz  /
Sofrer". João só queria uma vida mais digna. Não queria ser tratado como bandido. Queria poder amar, trabalhar e realizar os seus sonhos. Quantos Joãos existem por aí? Quantos Joãos não estão sendo incriminados só porque são pobres?

Bandido bom não é bandido morto ou preso! Ao invés de culparmos somente os indivíduos, por que não olhamos um pouco mais para a sociedade em que vivemos? Sociedade boa é aquela que oferece as melhores oportunidades para as pessoas descobrirem as suas potencialidades e não aquela que lida com as mazelas que produz apenas matando e encarcerando.

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