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domingo, 2 de novembro de 2014

Guia do Bolsa Família - Conheça a História, Características, Funcionamento e Resultados do Programa

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Por Esequias Caetano

Sua mais profunda raiz data de 1988, ano em que a Constituição Brasileira transformou a Assistência Social em direito social, garantido mediante a implantação de políticas públicas. Para quem desconhece o significado e a utilidade da "Assistência Social", o Art 203 da Constituição explica:


Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: 
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Em 1993 foi promulgada a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que regulamentou a Assistência Social e serviu de base para todas as políticas sociais que viriam a ser desenvolvidas posteriormente no Brasil. Seu  Art. 23, Sessão III, explica que estas políticas deveriam ser estruturadas em forma de "atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações [que sejam] voltadas para as necessidades básicas” e que, na “organização dos serviços de Assistência Social serão criados programas de amparo”. Mais à frente, no Art. 25, são especificadas as características destes programas. Eles: 
“(...) compreendem a instituição de investimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do padrão da qualidade de vida, a preservação do meio-ambiente e sua organização social.”
Este texto criou, portanto, a base, o formato e a obrigação de criação dos programas de assistência social que viriam a ser implementados posteriormente. Observe que a lei é antiga, editada pelo governo Itamar Franco, mas apenas em 2002 o presidente Fernando Henrique Cardoso começou a colocá-la em prática. Entre os programas criados por ele, destacaram-se: 

- Bolsa Escola: Pagava mensalmente um valor de R$ 15,00 por filho, limitado a três filhos, às famílias que mantivessem esses filhos matriculados na escola e frequentando regularmente as aulas. 
- Vale Gás: Pagava um valor de R$ 15,00, a cada dois meses, às famílias com renda de até meio salário mínimo. 
- Cartão Alimentação: Pagava um valor de R$ 15,00 por mês, por cada criança, às mães grávidas e com filhos em situação de desnutrição.



No ano seguinte Lula assumiu a Presidência da República e implantou o programa Fome Zero, que pagava um valor de R$ 50,00 para famílias em situações de pobreza extrema. No mesmo ano ele unificou o Fome Zero aos programas criados por Fernando Henrique Cardoso, ampliou o alcance dos benefícios e criou o Bolsa Família, em vigor até hoje. O Bolsa Família paga um valor variável às famílias com renda per capita inferior à R$ 77,00 mensais e é organizado em três eixos.


EIXO I - Concessão do Benefício. 

Este é o eixo mais conhecido do programa. Corresponde à transferência mensal, às famílias, de um valor que varia de R$ 22,00 a R$ 200,000, de acordo com a renda mensal por pessoa da família e com o número de crianças e adolescentes de até 17 anos de idade. Ele pode ser pago de três formas:

a. Benefício Básico. Uma quantia de R$ 68,00 é paga às famílias consideradas extremamente pobres, cuja renda mensal é de até R$ 70,00 por pessoa, mesmo que não existam crianças ou adolescentes na casa;

b. Benefício Variável. Uma quantia de R$ 22,00 é paga às famílias pobres, com renda mensal de até R$ 140,00 por pessoa, desde que existam crianças ou adolescentes de até 15 anos em casa. Cada família pode receber até três benefícios variáveis, ou seja, o teto é de R$ 66,00 por mês. 

c. Benefício Variável vinculado ao adolescente. Um valor de R$ 33,00 é pago a todas as famílias do programa que tenham adolescentes de 16 e 17 anos frequentando a escola. Cada família pode receber até dois benefícios variáveis vinculados ao adolescente, ou seja, até R$ 66,00 por mês. 

As famílias podem acumular mais de uma forma de pagamento, o que garante um valor limite por família de até R$ 200,00 por mês. Valores superiores a este certamente são pagos de forma fraudulenta e devem ser denunciados. A tabela abaixo, extraída do site do Ministério do Desenvolvimento Social, demonstra como o cálculo é feito:

Fonte: Site do Ministério do Desenvolvimento Social. Tabela de cálculo do Bolsa Família. 


EIXO II - Condicionalidades 

Desconhecido da maior parte da população. Corresponde às obrigações que a família deve cumprir para receber o benefício. Elas são subdivididas em dois campos:

a. Educação: Manter os filhos de matriculados na escola, com frequência mínima de 85% para crianças e adolescentes com idades entre 6 e 15 anos e de 75% para adolescentes com idades entre 16 e 17 anos.

b. Saúde: Mulheres grávidas e nutrizes, bem como crianças com até sete anos de idade devem fazer monitoramento nutricional; mulheres grávidas precisam fazer acompanhamento pré-natal e pós natal e crianças com até sete anos de idade devem estar com a vacinação em dia. 


EIXO III - Programas Complementares. 

Também desconhecidos da maior parte da população. Estes programas visam garantir melhor inserção social e mais oportunidades para as famílias beneficiadas para que possam desenvolver recursos próprios de geração de renda. Entre os programas complementares, podemos destacar os seguintes (clique sobre o nome do programa para ler mais a respeito): 









- Assentamentos Rurais


A administração do programa, incluindo o fornecimento de informações fidedignas para o cadastro dos usuários, a atualização destas informações, a fiscalização do cumprimento das condicionalidades e a oferta dos programas adicionais é responsabilidade da Prefeitura Municipal. O Art. 9 da lei 10.836 de 9 de janeiro de 2004 estabelece ainda que cabe ao município:
"(...) a responsabilidade de evitar que famílias sem perfil para o Bolsa Família recebam o benefício indevidamente. A principal forma de garantir que isto aconteça é se esforçando ao máximo para que o Cadastro Único reflita a realidade das famílias. Além disso, o município precisa responder dentro do prazo estabelecido às solicitações de informações que forem encaminhadas pelo MDS. A resposta deve apresentar informações que esclareçam a situação de pessoas que podem ter declarado informações falsas, de forma proposital, com o objetivo de entrar ou manter-se no Bolsa Família. Isso também vale para os servidores do município que declararem informações inverídicas para receber os benefícios, ou apoiarem falsas declarações de outras pessoas. Vale lembrar que nenhuma pessoa que exerça cargo eletivo remunerado (a exemplo dos vereadores) pode receber benefícios do Programa Bolsa Família." (Guia Rápido: o que os municípios devem fazer nos primeiros dias de gestão, 2013)


Como deve imaginar, é nesta instância que acontece a maior parte das fraudes. Não é raro encontrar, especialmente em cidades menores, usuários do Bolsa Família que não precisam do dinheiro, como políticos, empresários e seus familiares. Isso acontece quando um servidor municipal fornece dados inverídicos sobre os candidatos. Apesar de muito comum, a prática é criminosa e tem punição prevista em lei (Lei nº  12.512, de 2011)
“O servidor público ou agente da entidade contratada que cometer qualquer das infrações de que trata o caput fica obrigado a ressarcir integralmente o dano, aplicando-se-lhe multa nunca inferior ao dobro e superior ao quádruplo da quantia paga indevidamente”. 
As infrações são: 
I - inserir ou fazer inserir dados ou informações falsas ou diversas das que deveriam ser inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadúnico; ou
II - contribuir para que pessoa diversa do beneficiário final receba o benefício.
Os únicos recursos que a União dispõe para identificar infrações como estas são o cruzamento dos dados fornecidos pelo próprio município, denúncias feitas por outros servidores municipais ou denúncias feitas pelo povo (controle social). Se não por estes meios, torna-se praticamente impossível identificar as fraudes e, mesmo através deles, é difícil. Um fraudador experiente consegue minimizar de forma surpreendente o risco de serem identificadas incoerências no cruzamento dos dados.

Qualquer pessoa pode denunciar uso indevido do programa através do telefone 0800 707 2003 ou através do Formulário Eletrônico disponível do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Em lugar disso, porém, o que as pessoas normalmente fazem é publicar vídeos caseiros na internet com supostos beneficiários falando em ter mais filhos para ganhar mais, em comprar cerveja com o dinheiro ou cometer outras irregularidades. De forma pueril, acreditam (ou pelo menos dizem) que estão denunciando falhas no programa. A atitude representa, se não má fé, um grau extremo de ignorância. Explico: 


1) As filmagens geralmente não apresentam qualquer informação que leve à identificação do suposto usuário irregular;
2) Ainda que fosse possível identifica-lo, não há qualquer garantia de que ela chegue às mãos de quem possa intervir;
3) Ainda que chegue às mãos de quem possa intervir e esta pessoa possa identificar o suposto usuário irregular, será necessário investigar se as afirmações de uso irregular mostradas no vídeo são verdadeiras ou simuladas;
4) Ainda que sejam verdadeiras, elas não desqualificam o programa em si, mas sim, a gestão municipal do benefício.

É fato que existem outras instituições que podem fiscalizar o uso do dinheiro do programa, como os Tribunais de Contas da União e do Estado, as Controladorias Gerais da União e dos Estados e os Ministérios Públicos Federais e Estaduais. Todas representam órgãos independentes das instâncias de administração pública  - não respondem aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas devem fiscalizá-los. Não é raro estas instituições identificarem fraudes, investigarem e punirem os envolvidos, mas ainda assim, muita coisa passa despercebida. Se cada cidadão fizer sua parte e denunciar quando necessário, ao invés de terceirizar esta responsabilidade, o dinheiro investido no programa seria usado de forma ainda mais efetiva.

Mesmo conhecidas fraudes no Família, ele tem gerado impactos surpreendentes no combate à pobreza. De acordo com o Banco Mundial, em matéria publicada em seu site na data de 04 de dezembro de 2013, o programa gerou:

- Redução de 15% na desigualdade de renda do brasileiro;
- Redução de mais de 50% dos índices de pobreza do Brasil;
- Promoção de autonomia de quase 90% dos usuários;
- Quebra no ciclo de transmissão da pobreza de pai para filho, entre os beneficiários;

A matéria do Banco Mundial  diz ainda que:
"A experiência brasileira está mostrando o caminho para o restante do mundo. Apesar do pouco tempo de criação, o programa ajudou a estimular um aumento nos programas de transferência condicionais de renda na América Latina e pelo mundo inteiro - tais programas atualmente existem em mais de 40 países. Somente no ano passado, mais de 120 delegações visitaram o Brasil para aprender sobre o Bolsa Família. O Banco Mundial é parceiro do programa desde o início; estamos aprendendo com ele e ajudando sua disseminação." (Banco Mundial, acesso em 31/10/2014)
Veja que 40 países é muita coisa! Surpreendentemente, entre estes 40 países, estão diversas potências econômicas e políticas mundiais. De acordo com uma pesquisa realizada por  Zimmermann  e Silva (2009), publicada no periódico Espaço Acadêmico:
O Bolsa Família, portanto, [...] não difere em sua concepção principal dos [...] programas adotados há mais de seis décadas pelo Reino Unido em 1948, seguido pela Finlândia em 1956 e Suécia em 1957. 
Os países baixos, por sua vez, introduziram esse tipo de proteção social na década de 1960, precisamente em 1963 e a Bélgica em 1974. Na Alemanha, uma lei federal de auxílio social (Sozialhilfe) foi introduzida em 1961. No caso França, houve uma certa polêmica em torno da introdução ou não de programas de transferência de renda, contexto foi marcado por um intenso debate, culminando com a instituição tardia da RMI (revenu minimum d’insertion) no ano de 1988. Saliente-se que na atual conjuntura, em nenhum desses países, discute-se de forma veemente sobre a possibilidade de término e/ou extinção de tais programas. Ao contrário, os mesmos são tidos como fundamentais no que concerne à proteção social dos indivíduos fragilizados e/ou expostos aos mais diversos riscos sociais. Todavia, no Brasil, informações deturpadas, taxativas e simplistas acerca dos programas de transferência de renda são bastante comuns, ainda que se reconheça a importância de tais medidas em relação ao combate à fome.
Na Dinamarca, a taxa de pobreza em 1997 (porcentagem de pobres entre a população fixada em 60% da média nacional), era de 29% antes das transferências de renda por parte do Estado. Esse montante caiu para apenas 8% após a adoção de intervenções estatais.
Note que nos países citados os programas sociais estão em funcionamento há muitos anos - alguns desde a década de 40 -, enquanto no Brasil, começaram de forma consistente apenas em 2003. Isso explica boa parte das diferenças em relação aos avanços sociais obtidos - eles são cumulativos e, à medida que o tempo passa, tornam-se cada vez mais relevantes e notórios. Nós estamos apenas no começo, mas estamos no caminho. 

De acordo com o Portal Brasil e o Portal do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Governo Federal, graças ao Bolsa Família, já obtivemos também os seguintes avanços: 

- 75,4% dos usuários do programa já estão trabalhando;
- 1,7 milhão de usuários já deixaram de receber a ajuda do governo;
- Cerca de 350 mil ex usuários se tornaram Micro Empreendedores Individuais;
- Enquanto a evasão escolar caiu 75% na média nacional, entre os usuários do Bolsa Família caiu 85%
- A quantidade de consultas pré-natal realizadas por mulheres beneficiárias do programa é 50% maior que aquela observada nas não beneficiárias;
- A mortalidade infantil reduziu em 20% em municípios cobertos pelo Bolsa Família

As fontes citadas nos mostram ainda que, ao contrário do que muitos críticos desinformados argumentam nas redes sociais, 87% dos beneficiários do programa gastam o dinheiro com alimentação, 43% usam também com material escolar e 37% com vestuário. Talvez esse uso, tão adequado, possa ser atribuído à política de orientação e supervisão das Secretarias Municipais de Assistência Social. Elas dispõe de técnicos que fazem palestras para os beneficiários e acompanham a forma com que gastam o dinheiro do Bolsa Família. Quando identificam uso inadequado, podem cortar o benefício. Se não cortam, há uma irregularidade que também deve ser denunciada. 

Os outros índices, como a redução na mortalidade infantil, o aumento na quantidade de consultas pré-natal e a redução na evasão escolar podem ser relacionados às Condicionalidades dos programas. Conforma já foi comentado, elas exigem das famílias beneficiadas o acompanhamento médico-nutricional e a manutenção das crianças na escola. Os programas complementarem, por sua vez, devem estar contribuindo para que tantos ex beneficiários já estejam trabalhando e gerando renda por conta própria, ou ainda, tenham conseguido se tornar microempreendedores. 

Um crença errônea compulsivamente difundida entre os críticos desinformados do Bolsa Família é que ele estimula as mulheres pobres a terem mais filhos para receberem uma quantia maior em dinheiro do Governo Federal. Sem entrar no mérito do quão é ilógico o argumento - a quantia recebida é proporcionalmente muito pequena diante das despesas de criação de um filho -, os dados do IBGE mostram o contrário. Enquanto a média nacional de recuo na taxa de natalidade é de apenas 20,17%, entre as mulheres mais pobres chegou a 30%. É contrassenso, portanto, afirmar que elas estão sendo estimuladas a ter mais filhos. 

Apesar destes avanços, ainda temos muito a avançar na gestão do programa. A principal delas, acredito eu, é melhorar sua fiscalização. Conforme exposto, a lei atual atribui aos municípios a responsabilidade por garantir a fidedignidade das informações oferecidas e o recebimento do benefício apenas por aquelas famílias que realmente precisam dele. O problema é que a maioria das fraudes acontece exatamente aí - nos municípios -, então, há pouco interesse dos próprios municípios em investigá-las e puni-las. A mesma lei credita ao povo o controle do programa, mas a maior parte das pessoas desconhece aspectos básicos de seu funcionamento e não tem a iniciativa de denunciar as irregularidades que testemunha. Seria mais efetivo se a própria união criasse recursos específicos de investigação para os programas sociais. Estes recursos devem ser geridos por pessoas sem vínculos com a administração municipal para reduzir as chances de conflitos de interesse.  Seria bom, ainda, que se criassem mecanismos para que a população tivesse acesso a maior quantidade de informações sobre estes o Bolsa Família e outros programas de Assistência Social. Conhecendo-os melhor, saberiam avaliar criticamente seu funcionamento e fazer uso dos recursos disponíveis para fiscalização e controle social. 

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